sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A Cisterna

A Cisterna
Este texto foi encontrado em um caderno perdido dentro de uma cisterna em um prédio abandonado de São Paulo:

'' Eu não sei dizer exatamente como vim parar aqui, mas sei o porque. A curiosidade muitas vezes pode ser fatal. Vou explicar aqui na esperança de alguém um dia encontrar este caderno e tentar me tirar deste lugar horrível.

Meu nome é Sérgio. Já não sei mais quantos anos tenho, mas em meu último aniversário comemorado eu tinha 16 anos.



No dia em que vim parar aqui, eu estava voltando do colégio junto com alguns amigos. Todos se dirigiam a minha casa para lanchar e conversar como fazíamos quase toda manhã, mas quando estávamos chegando minha mãe logo gritou da janela:



- Nada de visitas hoje. A cisterna do prédio está consertando e estamos sem água.



Foi como um balde de água fria. Todos foram embora, e eu tinha que ficar para almoçar com a minha família.



Fui para o pequeno pátio do prédio para andar um pouco e deixar o tempo passar até chegar a hora do almoço, e fiquei observando o movimento dos pedreiros que trabalhavam na obra da cisterna.



Ela se localizava em um cômodo praticamente abandonado nos fundos do prédio, e sua porta ficava sempre trancada com um velho cadeado.



Eu nunca havia visto como era por dentro, só sabia que a sala fedia a mofo. Eu realmente estava com muita vontade de ver a sala.



Aguardei mais um tempo e vi que os pedreiros haviam ido almoçar, e acabaram deixando a porta destrancada. Era tudo o que eu precisava para matar minha curiosidade.



Fui até o local. A porta de madeira era bem velha, e a pintura estava toda descascada. Fez um rangido horrível ao abrir. O cômodo era escuro e úmido. Eu não conseguia enxergar nada além de alguns centímetros de distância.



Entrei logo e fiz questão de fechar a porta, pois se alguém me visse aqui, era bronca na certa!



Não havia visto nada muito além do normal, e eu já estava prestes a sair. Foi quando escutei um barulho vindo do fundo da sala. Como estava completamente escura, tentei focar a visão o máximo que pude, a fim de enxergar o que havia ali. Não vi nada além de canos e paredes úmidas.



Cheguei mais próximo com passos curtos e leves, e o barulho se repetiu. Parecia algo andando, dando pequenos passos. Comecei a sentir um pouco de medo. A solidão e a escuridão são grandes aliadas do medo.



Tentei ser racional e logo imaginei se tratar de um rato, e eu nunca havia enfrentado um rato antes. Me lembrei que havia uma pequena lanterna pendurada em minha mochila, mas antes que eu pudesse pega-la senti algo em minha perna.



Gritei com o susto, me debati um pouco. Eu batia os pés desesperadamente! Se fosse um rato iria correr, ou já estava morto.



Quando parei, o silêncio voltou a sala. Eu olhava para o chão, mas não via nada. Foi ai que fui tocado na perna pela segunda vez.



Mas dessa vez algo agarrou minhas pernas, me derrubando antes que eu pudesse ter qualquer tipo de reação. Eu estava sendo arrastado pelo chão em direção a um canto da sala, mas não conseguia enxergar o que tinha pego minha perna.



Eu gritava muito, mas parecia que ninguém me ouvia. Quando estava chegando próximo a parede foi que consegui enxergar. Preferia não ter enxergado.



Era bem pequeno, uns 40 centímetros, parecia um humano muito magro e totalmente enrugado. Tinha um sorriso estranho no rosto, e agora gargalhava baixinho.



Quando chegamos ao canto da sala, meu desespero aumentou. Havia ali um buraco no chão mais ou menos do meu tamanho, e estava por trás de um monte de entulho.



Eu fui sendo arrastado por dentro do buraco. Tentava me segurar, mas a criatura tinha uma força incrível para o seu tamanho. Não sei por quanto tempo fui sendo puxado para baixo da terra, mas para mim pareceu uma eternidade.



Chegamos a um grande cômodo subterrâneo, que mais parecia uma caverna. Eu fui amarrado em um canto onde haviam vários objetos amontoados. Tinham cristais, copos, santinhos, estatuetas, sapatos e chapeis.



A criatura me deixou ali e voltou ao buraco de onde fui arrastado. Foi ai que meu desespero chegou ao máximo. Ele parecia estar tapando o buraco desde lá de cima.



Eu gritava, chorava e me debatia, mas a criatura só dava risadas ao ouvir meu desespero. Comecei a buscar uma forma de fugir dali. O cômodo era um pouco iluminado, mas eu não conseguia ver a fonte da luz. Havia desenhos estranhos na parede, e letras que eu jamais havia visto em lugar algum. Havia ar para respirar, mas era bastante quente e tinha cheiro de terra molhada.



Enquanto buscava uma forma de fugir dali, meu corpo se entregou ao desmaio.



Fui solto da corda assim que acordei, mas logo percebi que estava preso no pescoço com uma coleira de metal fixada na parede.



Os dias passavam lentamente, e eu era alimentado com um caldo estranho que parecia ser feito de barro com urina. A criatura saia por algum lugar que eu não conseguia ver, e sempre voltava com algum objeto. Um dia ele voltou com uma imagem de Jesus que havia em meu quarto.



Não tenho idéia de quanto tempo já se passou, mas sei que já me tornei adulto, pois a barba já não cabe mais em meu rosto e invadiu meu peito. Esse sofrimento parece não ter mais fim.



Consigo desenhar e escrever quando aquela coisa sai, mas sei que um dia as folhas do meu velho caderno irão acabar, e não terei mais nada de bom para fazer aqui.



Eu sei que estou bem próximo de casa, mas para mim é impossível chegar até lá. Ninguém veio me buscar até hoje. Meus pais já podem até mesmo estar mortos. Com toda a certeza eu fui esquecido aqui.



Esquecido como estes objetos.



Esquecido até mesmo pela morte.”



O prédio foi interditado em 1988 por problemas estruturais, e completamente abandonado por seus moradores em 1989.



Conto Tirado e Publicado pelo blog Da casa Sombria
http://CasaSombria.blogspot.com

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